Esta música cantada por Roberto Carlos é composição de Caetano Veloso, já escutei várias vezes esta música e ainda fico me perguntado o que esta força estranha que o leva a cantar... Sem sensacionalismo, recedio que mesmo hoje o Caetano se dizendo ateu, será que na época ele não considerava que esta forma era os "guias" da religião afro-brasileira (demônios)??? Ou ele apenas se indaga que esta força estranha seria o seu talento natural, gravado no seu DNA que o impulsionava para a música??? Ainda não tenho uma resposta. (Comentário do escriba Valdemir Mota de Menezes)
AQUELA CANÇÃO DO ROBERTO...SEGUNDO CAETANO
“Caetano veste-se de Roberto Carlos para lançar luz sobre a sua própria situação”
As canções que Caetano Veloso compôs para Roberto Carlos nos remetem ao ato mesmo de cantar. A primeira delas, inclusive, se abria com uma referência ao gesto do cantor: “Quando você me ouvir cantar” (Como Dois e Dois). No geral, são letras que falam de algum poder que conduz ao canto (Canto somente o que não pode mais se calar, Muito Romântico;“Por isso uma força me leva a cantar!. .. /Por isso é que eu canto não posso parar”, Força Estranha) e do exercício lúdico que percorre o momento da emissão vocal (Eu sigo apenas porque eu gosto de cantar).
No limite, elas insinuam uma reflexão sobre a própria atividade do cantor, sobre a prática específica do intérprete que se filia a uma tradição popular e que encontra sua voz canalizada pelos veículos da indústria cultural, como são os casos de Roberto Carlos e Caetano Veloso. Esboça-se uma espécie de exame interior da própria situação do cantor frente ao mercado que o limita, de uma parte, e de seu compromisso com uma força liberadora, de outra, que retomaria o sentido original do canto — alguma substância que evapora do “fundo de cada vontade encoberta”. Em seus segredos e seduções, estas canções que foram construídas com certo maneirismo do próprio Roberto Carlos, arremedando seus procedimentos musicais mais conhecidos, aludem ao lado indomável do canto popular (“Nenhuma força virá me fazer calar”), do mesmo modo que mencionam a docilidade do artista frente ao gosto padronizado do consumo musical, forjado pela indústria da canção (“Canto somente o que pede pra se cantar”).
Caetano compôs os retratos de um Roberto Carlos colorido de contradições misteriosas: imagina-se que ele é um compositor/cantor banal e, no entanto, ele surpreende; suas canções soam redundantes, mas existe alguma coisa que atinge e desconcerta; suas músicas parecem a mais simples operação aritmética, porém são coisas que não têm medida. Por isso Roberto Carlos é alguém tão certo “como dois e dois são cinco”; por isso ele é algo irreconhecível, uma “força estranha” (no ar). Caetano revela que seu canto trai nossas referências. Assim, Roberto é um cantor/compositor que pede a frivolidade de um “acorde perfeito maior” — o óbio e lugar-comum da harmonia musical —, ao mesmo tempo que é uma palavra cantada que “pode espantar”, a força que instala o indefinido da mesmice.
DO FOGO E DA FÉ
Na imagem fixada por Caetano, o Rei se submete às imposições da indústria e do consumo musical (“Canto somente o que pede pra se cantar”), da mesma forma que pode criar instantes de uma musicalidade “exótica” para os ouvidos distraídos, locais que questionam a existência de sua canção somente enquanto embelezamento da mercadoria (“Sou o que soa eu não douro pfiula”). Aliás, este desenho ambíguo e contraditório de Roberto Carlos já se insinuava em velhas canções de Caetano, como, por exemplo, em “Objeto não Identificado”. Nesta, o compositor se apresenta como alguém que deseja fazer um “iê-iê-iê romântico” (gênero que se tornou urna espécie de símbolo da canção de massa no Brasil e marca ineludível de Roberto Carlos), mas não se dissolve aí, pois ao mesmo tempo é um “objeto não identificado”, matéria que nos escapa, como iluminou José Miguel Wisnik. Alimentadas pelo imaginário de Caetano Veloso, as músicas de Roberto Carlos — que se movimentam em procedimentos técnicos triviais, em chavões e clichês — abrigam uma lógica que não se entende, alguma confissão estranha, o jogo do fogo e da fé.
Destas anotações, fica a impressão de que Roberto Carlos — na leitura de Caetano Veloso — é uma metáfora da atual canção de massas, a que se encontra no centro da indústria de produtos culturais. De certa forma, Caetano também se espelha nesta imagem de Roberto, uma vez que ambos se equivalem enquanto mercadoria. Porém se opõem frente à crítica e ao público: Caetano é o compositor “criativo”, filiado a uma “linha evolutiva”, para quem foi legitimada a etiqueta “obra de arte”; Roberto Carlos, ao contrário, é visto como a cristalização da canção de consumo entre nós, aquele que não vacilou em trocar a qualidade de suas músicas pelos caprichos do lucro. Caetano empunharia a bandeira da arte, enquanto Roberto se tornou o emblema da mercadoria. A oposição é só aparente: ao chamar a atenção, nestas três canções, para a face não meramente mercadológica das músicas de Roberto Carlos — “voz tamanha” que soa no tempo — Caetano Veloso, inversamente, enfatiza o seu próprio lado de objeto de consumo, o seu aspecto de produto vendável. Ele se veste de Roberto Carlos para lançar luz sobre a sua própria situação, que de resto é a mesma de todo cantor e compositor popular envolvidos pelo mercado. A canção popular, em nossos dias, não pode ser entendida fora do contexto da indústria de bens culturais. É da tensão entre o desejo de brilhar livremente e as limitações do mercado que ela consegue seu interesse. Na raiz deste conflito reside o seu significado; daqui ela extrai a sua força estranha.
CheckBox Publicado na Seção "Graffiti" da Revista SOMTRÊS -década de 70.
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